BRASIL É UM PAÍS DO DESCASO.
Qual quer pais que tivesse a riqueza que o brasil tem, eles fariam o mundo curvar aos seus pés,
SANTA FÉ DE MINAS E BURITIZEIRO (MG),
Em vez de castigar, a seca faz milagre no vilarejo de
Remanso do Fogo, a 500 km de Belo Horizonte. Quando as águas baixam, as bolhas
que mitificam trechos do Rio Paracatu se transformam em chamas. De maio a
setembro, esquentam os alimentos de famílias como a do pescador Salvandir
Barbosa dos Santos. O gás espalhado no subsolo mineiro pode mudar a realidade
de 1 milhão de habitantes dos municípios da Bacia do São Francisco.
No sertão das Minas Gerais, a iminente chegada das
petrolíferas é vista como a salvação de quem vive sem infra-estrutura às beiras
do Velho Chico. 90% da população rural não têm energia elétrica e pisam na
solução do gás natural, que serve apenas aos fogareiros, improvisados até em
garrafas de refrigerante.
"Compramos bujão, mas pouco. Os colegas que vêm aqui
pescar não precisam de fogão na época seca", conta Salvandir, ao lembrar
da economia que faz com o dinheiro do gás de botijão. Tem sido assim pelo menos
desde 1940, quando o pai dele, recém-chegado da Bahia, fincou os primeiros
alicerces de madeira na vila da pacata Santa Fé de Minas.
Salvandir convive com as emanações de gás desde criança, sem
alimentar expectativas de ver o município deslanchar. À beira do rio, o rastro
de óleo, que compõe a paisagem há décadas, também não cria ansiedade.
"Aquilo ali deve ser petróleo, a Petrobras andou cá vendo isso",
narra, conformado com o que tem e sem noção do que pode mudar na vida da região
com a chegada das empresas.
Enquanto os moradores vivem no ritmo próprio dos sertões, a
Petrobras, a multinacional inglesa BG, a brasileira Geobras e o grupo argentino
Oïl & MS não perdem tempo: demonstrando apetite inédito, disputaram dezenas
de concessões na região, durante o último leilão de áreas de petróleo e gás da
Agência Nacional do Petróleo (ANP). O conhecimento do fenômeno natural e a
semelhança com a formação geológica da Rússia, maior produtor mundial de gás,
fizeram da Bacia do São Francisco a mais atraente de toda a história das
rodadas de licitações. Das 43 concessões oferecidas, 39 foram arrematadas. Isso
porque só a parte mineira foi a leilão.
Estudo feito por uma das empresas com planos de exploração
sob as veredas, a Geobras, apontam para a existência de um trilhão de metros
cúbicos de gás natural na Bacia do São Francisco, combustível suficiente para
abastecer o Brasil por 60 anos. A projeção é preliminar mas foi suficiente para
convencer bancos estrangeiros a financiar a pequena empresa no projeto de
exploração de nove áreas da região, com R$ 114 milhões. Falta o aval da ANP
para aprovar os documentos da Geobras junto a investidores.
A proximidade com os grandes mercados também empolga os
investidores. "Temos Belo Horizonte e, se sobrar, podemos levar o gás a
São Paulo", comemora o presidente da BG, Luiz Carlos Costamilan. Parceiro
da BG em seis áreas na bacia, o diretor de Exploração e Produção da Petrobras,
Guilherme Estrela, prefere esperar os testes de viabilidade comercial antes de
comemorar: "O que temos de concreto, por enquanto, é uma curiosidade
geológica".
Os efeitos dessa curiosidade geológica chegam aos animais
que daquela água bebem. Na Fazenda do Vale das Aroeiras, no município de
Buritizeiro, trabalhadores estranharam o gado que bebia água num dos poços da
propriedade. "As vacas ficam empanzinadas quando bebem a água com gás. Não
levantam de tão estufadas de gases", conta, às gargalhadas, Jullierme
Alves, funcionário da Prefeitura de Buritizeiro.
Alertada por uma explosão na Fazenda das Aroeiras em 1988, a
Petrobras furou um poço no local e confirmou a existência de grande volume de
gás natural. Desde então, as visitas de estudiosos e empresas não pararam. Lá,
é possível assistir a cenas dignas de filmes repletos de efeitos especiais,
como fogo sobre a água. Larissa Ferreira, 7 anos, adora acompanhar o pai,
Juvercino, ao "poço encantado" que exala bolhas. A facilidade de
cozinhar não é a mesma encontrada à beira do Rio Paracatu. No Velho Chico, o
gás é tanto que vaza continuamente. No poço de Juvercino, as bolhas aparecem,
desaparecem, retornam, se espalham... e a panela demora a esquentar.
O geólogo Wilson Guerra, da Universidade Federal de Ouro
Preto, explica que a bacia do São Francisco é uma das mais antigas do mundo.
"Antes da Rússia encontrar gás, imaginava-se que não havia reservas sob
esse tipo de bacia, mas os russos quebraram esse tabu".
Os proprietários da terra onde os poços são perfurados têm
direito a receber de 0,5% a 1% da produção. Um poço no quintal pode render de
R$ 1 mil a R$ 30 mil por mês. Juvercino acredita que o patrão, se contemplado,
repartirá a riqueza com os empregados, mesmo sentimento de Libânio de Souza.
"Estamos esperando pros filhos de Deus olhar e entender que temos que
viver também", diz o aposentado, que abriga mulher e sete filhos na casa
improvisada de galhos e plástico. Vive a 5 km do São Francisco, mas sofre com a
falta d'água. Mora em cima de uma bacia de gás natural, mas não tem luz. Mesmo
diante das dificuldades, Libânio se orgulha de ter abandonado a cidade para
viver ali: "Quero nada de cachaçada, palavrão, desrespeito na casa dos outros".
O alívio da gente do sertão é que, diferentemente do que
acontece na exploração em alto-mar, na qual o destino dos royalties depende das
boas intenções das prefeituras e governos estaduais, os donos da terra têm
direito a participação direta. Modesta, mas suficiente para lhes dar o básico.
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